A data certa não quero lembrar. Aconteceu. Partimos, alunos de Letras e História, para uma viagem de estudo: São Paulo, uma cidade em Minas e Rio de Janeiro. Até então, tudo bem, cada um com seu espaço. Na verdade a coisa começou aí. Alguns queriam ficar deitados - eu, não. O sono sempre deixou-me na mão. E assim que se inicia a minha história. Pela falta de sono pude me reaproximar de um amigo - um amigo a quem já não tinha palavras para trocar. Depois, os outros amigos que também não eram tão amigos assim: não dá para prevalecer em paz em todo tempo, ainda mais em 4 anos - brincamos. Chegamos a São Paulo e tivemos de unir forças - pequenas brigas e muitos sorrisos. Lágrimas internas, magoas externas. Perdão. Reconciliação: verdades e mentiras à tona. Meu coração me delatou. Fiquei bêbado, precisava disso. Felizmente, nada de grave aconteceu. No Rio de Janeiro o mar foi o cenário de reflexão e mais lágrimas, mais sorrisos. O Drummond presente, a saudade de casa manteve-se ausente - exceto pela minha vontade de organizar, limpar. Sempre lavava a louças. Foi isso que me salvou. Essa viagem veio na hora certa. Além de toda a bagagem cultural e de certos atritos: impossível não havê-los quando se está com várias pessoas, na verdade uma pessoa já é um atrito. Confesso, eu pude perceber que eu nunca me amei - e é hora de mudar. O meu coração pede isso. Devo continuar. Procurar o equilíbrio para fazer feliz alguém que eu amo. Escrevo aqui minha escolha: ser feliz. Não importa as pedras, as culpas que vão me lançar, a vida requer essa atitude. "Eu estarei dançando..."
segunda-feira, 10 de dezembro de 2012
sexta-feira, 28 de setembro de 2012
Angústia
Meu Deus, como foi que eu cheguei aqui? Como foi que eu deixei me levar por um sentimento tão frágil e recente - e que mesmo assim roubou-me minha inteireza: e acabei na mediocridade! Ó, não sei se tento entender, ou deixo-me levar: e para onde irei? As minhas pernas continuam e se desequilibram nesse desespero de viver: viver é um desespero alegre. A gente tem a vida e quer esquecer a morte - e por isso traçamos, e ocupamos, a mente com planos e mais planos. Meu Deus, só agora eu percebi, não tenho planos. Acumulei-me de nada. E eu vivia bem. Eu sabia me identificar no meio do nada: um nada seco e alegre - eu era feliz - a felicidade alheia fez-me infeliz. E eu sabia. Eu sei que eu sabia me achar! E agora, com essa decepção, uma tristeza maior que meu sopro de vida me tomou: uma necessidade de buscar por forças, fez-me cair no tropeço de minha falta de coragem: e eu fui fraco ao esquecer-me da minha vontade - e eu quis falar, quis apenas desabafar com alguém e acabei prendendo-me nesse outro. Não sei como voltar: não sei por que desejo tanto voltar...
sexta-feira, 7 de setembro de 2012
A revelação
Pois, hoje,
surpreendi-me. Peguei Dona Doroteia e Rosa Maria ciscando juntas. Confesso,
fiquei espantado, jurava que ainda estavam de mal uma com a outra. E, a minha
suspeita, logo veio se realizar. O silêncio, num de repente, tornou-se ruído de
palavras ofensivas – e a curiosidade me invadiu, quis saber o que acontecia
entre as duas. De cara pensei no motivo, só podia ser o galo João: e era. Dona
Doroteia, uma galinha nova e apaixonada, acreditara em amor eterno; já tinha certo
tempo que estava de compromisso com o galo João, que por sinal era muito
galanteador, safado, mas que dizia amor a ela. Só que todo amor sincero, e não
sincero também, é cobiçado. A cobiçadora Rosa Maria, mais experiente, sabia da tendência
do João, então foi fácil, foi uma conquista mais que desleal; isso por que era
amiga de Doroteia. Rosa Maria pertencia à família, amiga da mãe de Teinha –
como Rosa chamava-a. Quando Teinha descobriu a traição, desconsolada sentiu-se;
mas a galinha, ingênua e influenciada por sua falta de maldade, perdoara Rosa.
E é aqui que a cena recomeça. A desavença entre as galinhas ressurge, pois,
Rosa conta a Teinha que está esperando pintinhos de João. Doroteia, grave,
irritada, soltou vários impropérios, não aguentou; veio à tona sua fúria. Ela
já pensava em perdoar o João. Pensava em reatar o noivado – e tudo isso, agora,
nessa maldita revelação caiu por terra. Assim como ela. Rosa toda triunfante,
sorria ao tripudiar de Teinha. E como se tivesse conquistado um prêmio foi
procurar João.
quinta-feira, 6 de setembro de 2012
Lamentação de Dona Doroteia
Dona Doroteia, minha galinha mais nova [e mais sincera], contou-me de suas súplicas atuais. Fiquei, assim, boquiaberto com a sem-vergonhice presente no mundo das galinhas, aliás presente no mundo todo. Contara-me, ela, que sua amiga Rosa Maria dera em cima de seu galo. Segundo Doroteia, foi briga feia. As duas caíram na bicada - enquanto o galo, seu João: o galante, fez-se de platéia. Minha nossa, pra que, Doroteia e Rosa Maria viram àquilo [que cena!] e foram dar um jeito no galo safado. E no fim de tudo as duas ficaram sem galo. E o galo ficou sem pena.
segunda-feira, 27 de agosto de 2012
Nada de interessante - última parte
Enfim, minha
memória fez-me valer. A história sobre o mês de Agosto é pano de fundo para
falar do calor, da poeira, da seca que secou a chuva e me faz cativo da limpeza.
Mas os verdadeiros personagens dessa narrativa são os carapanãs. Desde que
comecei a escrever [muita coisa foi suprimida, muita coisa foi reinventada], tinha
como objetivo falar desses heróis da esquerda – ou da direita – não sei, não
sei. Sei que eles estavam a me comer vivo. E o tempo ajuda. A falta de chuva
foi o advento dos carapanãs. E foi assim que me fiz mais triste, mais inquieto
e o silêncio que já era grande aumentou, aumentou também a minha vontade de
escrever relatos, por acaso pensei: falar sobre a minha desinteressante vida:
pois sei que alguém, que me lê, pode indagar: o porquê de tais palavras –
sinceramente, não há razão, estou apenas a extravasar a sensação de meu peito.
Deposito nas palavras o que sinto, o que não sinto, o que penso sentir e depois
de alguns dias descubro que é engano, tudo puramente ilusão – e lembro-me do
poeta: iludir-se é viver também e que a vida é matéria para alegrias. Resta-me
inventar. O mundo já está feito. E os carapanãs provam-me isso, ao provarem a
mim, e eu só posso ligar o ventilador, assustá-los. E será por aqui que quero encerrar o meu mês
de Agosto, sem antes dele mesmo ter se findado – para mim já foi o bastante, já
escrevi o muito do pouco que me lembrei. A chuva só virá no fim do ano e até lá
farei novos planos e, provavelmente, sofrerei outros enganos. A vida é continuar.
Abençoado o homem que se permite ao delírio, ao lírio do lirismo que há no que é
de vida.
sábado, 25 de agosto de 2012
Nada de interessante parte 3: O silêncio do tempo
Estou segurando-me. Sinto-me indiferente a mim. É
tão estranho. É tão humano: e ser humano é tão assustador, aliás, se se sentir
indiferente à sua humanidade é mais assustador. O silêncio do tempo me toma, me
ganha, me faz prisioneiro de mim. Covardemente, tento desprender um grito –
gritar a mim: acordar os demônios que querem à minha alma, mas, de repente, uma
paz cruel e fria e assustadora me incomoda. A inquietação do silêncio das horas
me deixa mais atormentado: e um suspiro me salvaria, um suspiro seria o golpe
de misericórdia, mas nada, nada me recupera; tudo me atropela, as velas de
minha falta de sorte estão apagadas. Um vento perturbador sopra em mim mais
frieza e tormento. Lembro-me que esse relato era sobre o mês de Agosto, sobre a
secura que me tomou desde o início desse mês, mas eu perdi o controle. Nunca
consegui me controlar, sempre vivi me evitando: e agora não sei como voltar ao
que eu era antes mesmo de me ignorar. Passei anos e anos acreditando que eu
poderia mudar, mas cá estou eu novamente fazendo tudo de novo. Cansei de pedir
perdão. Cansei de me torturar com coisas que não podem me salvar. Lembro-me da
morte de Jesus. Lembro-me da morte de minha pureza, das noites que eu vivi com
um cara e depois corria para a igreja para humilhar-me pelo pecado. E o silêncio
do tempo traz à tona as minhas memórias, as histórias que eu inventei, as que não
inventei, e ouço as vozes do passado gritando os erros do presente. No presente
fico ausente e assim não sei o que será de mim no futuro. Tudo passa pelo terrível
crivo das horas. O tempo vê a mim com horror ou então deve rir de minha
fraqueza, da tristeza forjada para me distrair. Ser feliz me cansa. E a poeira,
que também é seca, me ganha.
quinta-feira, 23 de agosto de 2012
Nada de interessante parte 2: o meu amor pela literatura [a visita]
...Como eu já havia dito antes, não há nada de especial nesse mês
e mesmo assim eu, que tenho 21 anos e [pareço ter mais, as pessoas sempre me
dizem isso], amo literatura: em especial a poesia; não que eu não nutra amor
pela prosa e as canções, pelo contrário. Tudo que é literário atrai-me de certa
maneira.
Seguindo a minha
rotina de acordar-lavar-e-cozinhar, eu vivo de leituras e de observar as
pessoas que passam em frente à minha casa; impossível é não reparar, moro numa
casa de esquina, que por sinal é aberta. Essa liberdade me possibilita várias
visões, mas não é sobre isso que quero falar... Estou apenas enrolando... É
assim que eu vivo: vivo-me nessas invenções, ilusões... Tudo em minha vida é
matéria para prosa.
E falando em
prosa. Lembro-me que visitei uma amiga muito especial. O nome não citarei. Quando
nós nos encontramos o papo flui duma forma tão natural e intensa - coisa de
alma. Literatura, filosofia, religião, falamos sobre praticamente tudo. Ela é a
melhor pessoa que me entende. E somos tão diferentes: deve ser essa à
explicação plausível para tanto entendimento. Não que não haja discórdia,
sim, há, mas até no lado avesso a gente encontra um modo de se entender.
Nessa visita
falamos muito no personagem que ainda não dará sua graça por aqui: os
carapanãs. [aguardem...] E o tempo seco. O mês de Agosto que tirou o gosto da
chuva. Tirou o gosto gostoso que era limpar a casa. Minha limpeza tornou-se
inquietação. O que antes me trazia paz, agora me causa tormento. Mas na vida
sempre há dois lados: em tudo há! Com minha amiga consegui encontrar horas de
alento. Sentir o sabor do vento sem queixar-me da poeira erguida e da
rotina.
Perdi o foco de
novo. E eu digo: não encontrarás em mim lógica. Sou desses incertos e
repentinos. A qualquer momento posso mudar o movimento e esquecer-me da forma.
Assim segue a minha nada interessante narrativa sobre o tempo seco que é esse
mês.
quarta-feira, 22 de agosto de 2012
Nada de interessante - parte 1
Deu-me uma vontade de falar sobre esse mês: Agosto. Nada de
especial. Nada de sublime nesse mês seco, que seca minha boca e faz da poeira
minha inimiga - aliás, quando fomos amigos? E o engraçado é que não há graça. O
mês está se findando e eu tive à vontade: veio-me como um desejo irresistível -
e como sou fraco, cedo a tudo - pelo menos a quase tudo, resolvi escrever.
... Então começou o mês de Agosto.
Era uma vez o mês de Agosto. [estou indeciso, não sei qual o melhor modo de
começar isso e isso é tão importante para mim: e para quem ler será tão idiota,
será tão: ele não tem nada de bom para oferecer - e mesmo assim eu ficarei
feliz, pois tudo isso sou eu: inútil e necessário - a última parte vou ficar
devendo - quem é que nunca deixou uma conta em branco?]
...O mês que seca tudo, inclusive à
chuva que não desce, faz do sol meu algoz. E as donas de casa ficam irritadas
com tanta água que é gasta, na tentativa frustrada de amenizar a poeira - e
nada; é mais do que necessário paciência, pois, meu Deus, quem sobrevive sem
nenhuma crise de tosse, é um verdadeiro herói. Eu, que me chamo Joémerson,
vagabundo por natureza e poeta por distração, fico louco com tudo isso, mas
tenho de reconhecer minha pequeneza diante das coisas que são maiores do que
eu: e a lição que fica é: respeito.
Outro personagem que povoará essa
história são os carapanãs. Ah, eles são duros na queda, sem contar que andam
sempre juntos, cantam e se alimentam de nós. Tudo isso misturado à seca total:
sem chuva, sem amor, com calor, com desejo e os meus medos: ou seja, uma vida
totalmente humana. Assim segue o começo malfeito dessa narrativa. Prometo
mais coerência e coesão a partir das próximas.
terça-feira, 17 de julho de 2012
CORAÇÃO PREMATURO
E
|
la olhava o
relógio constantemente. Eram duas horas da madrugada e o sono não lhe batia a
porta do quarto. Isso era motivo para muita angústia e aflição, mas Karla se
via livre de tais sentimentos. Ela estava preparada para romper com o maldito
hábito de pensar.
As horas iam e vinham. O espelho
estava em paz. Os livros arrumados na estante. Sua família alegrava-se com o
descanso prazeroso oferecido pelo sono. Porém, Karla estava atenta. Com os seus
olhos vivos sentia medo sabe-se lá de quê. Algum temor ou pressentimento
rondava seu pobre coração.
Karla tinha apenas doze anos, e
desde já sentia uma tristeza profunda daquelas que só os adultos são capazes de
suportar. Porém sua capacidade mental avançada tornava-a diferente; algo dentro
dela a fazia experimentar de antemão essa amargura.
A luz de seu cômodo brilhava como
uma estrela cadente. Do seu aposento ela escutava o ronco de, seu irmão, André.
Isso a deixava tranquila, pois sabia que realmente ainda estava viva. Quando as
vozes de sua casa silenciavam-se, ela sentia-se indefesa. Era como se uma
espécie de mal a perseguisse na calada da noite. Algo confuso demais para sua
compreensão.
Quando a manhã chegou, Karla
levantou-se, rapidamente, e, seguindo sua mórbida rotina, preparou-se para ir à
escola. Sua família estava reunida na mesa para o célebre café matinal. Nessa
hora ela podia ver nas ações de seus familiares algo que passava despercebido
por todos. No bom dia de sua mãe, ela enxergava uma mulher cansada de ter que
se preocupar com os filhos e com sua própria vida profissional e, além do mais,
ter que ouvir reclamações do marido. No aperto de mão de seu pai, ela sentia o
pavor dele de ficar sozinho. Em André, seu irmão mais velho, que tinha dezenove
anos, e ainda estava cursando o segundo ano do ensino médio, ela observava um
modo estranho de levar a vida. Ele agia como se não importasse com nada.
Karla
sentia o elo que unia as divergências de sua casa. Ela sempre ajudava seu irmão
nas tarefas; organizava seu lar no período vespertino e, também, fazia aula de
canto, pois o sonho de seu pai era ter uma cantora na família. Karla não estava
de acordo com a maneira em que sua vida seguia. Não tinha espaço para si; seus
sonhos e desejos existiam somente para evitar que sua casa desmoronasse.
Contudo, suas noites estavam ficando cada vez mais longas e cansativas.
Amadurecera tanto que o fedor de sua podridão era sentido à distância.
Passou-se um ano e, enfim, chegou o
aniversário de treze anos da pequena Karla. Ninguém de sua família lembrou-se;
todos estavam correndo, de um lado para o outro, com a agitação perspicaz da
vida. Amigos então só imaginários. Karla pensou que sua família arquitetava uma
festa surpresa, mas suas expectativas foram pela descarga. Ao chegar a noite,
todos estavam jantando normalmente como se nada demais estivesse acontecendo.
Karla percebeu que todos haviam se
esquecido de seu aniversário. Ela ficou extremamente magoada, pois nem ao menos
desejaram-lhe felicidades. Então decidiu banhar. Quando percebeu que,
misturadamente, a água fria que caia sobre seu corpo gotejava sangue, ela
gritou. Ficou apavorada, nunca imaginou que isso aconteceria assim. Nesse
instante vários pensamentos atordoaram-na e a única coisa que conseguiu dizer
foi: mens-mens-mens-tru-a-ção
(a menarca).
Ela estava tão incomodada com a situação que
se sentou no piso do banheiro. Sem saber o porquê, começou a chorar. Uma forte
onda de raiva inchara seu pobre coraçãozinho. Sem vontade alguma, debatia-se,
com sua metamorfose antecipada, refletindo sobre o que aconteceria a partir de então.
Sua mãe, seu pai, seu irmão e ela mesma... Como lidar com essa situação nova?
A mãe de Karla estranhou a ausência
da filha e foi verificar o que se passava. Bateu na porta e perguntou se havia
alguma coisa errada. Ela balbuciou que estava tudo bem. Então sua mãe retornou
à mesa e tranquilizou seu esposo.
Karla sabia que dentro dela não
estava tudo bem. Havia muita coisa errada, mas ela preferia o silêncio. Era
melhor não importunar seus familiares com suas queixas, pois seria
inconveniente de sua parte preocupá-los com suas crises de adolescente
incompreendida.
Após o banho Karla foi, imediatamente, para
seu quarto; este era seu refúgio e, em determinadas horas, também cativeiro. A
menina encaminhou-se para sala aonde seus pais assistiam à novela. Seu irmão,
como de costume, vagabundeava pela praça com seus colegas. Karla desejou-lhes
uma boa noite e, em seguida, voltou-se ao quarto.
O pai de Karla notara um ar
melancólico na filha e perguntou se sua esposa notara, porém seu esforço foi
contido num rápido abafo de a novela é mais importante! Então ele se
quietou e, abraçado a ela, ficou.
Em seu quarto, Karla encarava um novo dilema e, como não tinha coragem de
conversar com sua mãe, preferiu enfrentar a mudança sozinha. As horas, mais uma
vez corriam. Como de costume ela fitava o relógio. Nada de seu irmão chegar. A
demora deixou-a preocupada, pois o ponteiro marcava três horas da madrugada. O
temor crescia em seu peito. Ela até pensou ir atrás dele, mas de que
adiantaria. Karla resolveu ficar esperando na sala – a menina era muito apegada
ao irmão. Dentro de sua alma uma voz gritava alertando de um perigo eminente,
mas tudo parecia loucura. Ela pensava que isso era fruto de sua decepção. Então,
sem se preocupar em fazer uma escolha, pegou um livro. Apenas queria algo pra
passar o tempo. Quando olhou o livro percebeu que já tinha lido. Titulava-se Perto do Coração
Selvagem*.
Karla recostou-se na poltrona e dedicou-se à leitura. Eram quatros horas e
nada. De repente, ela escutou um barulho de briga e percebeu que a voz de seu
irmão estava misturada à balbúrdia. Rapidamente abriu a porta e observou uma
roda de garotos. Dois deles estavam no meio brigando. Ela fitou bem olhos em
seu irmão e, numa reação desesperada, gritou. Depois só conseguiu avistar o
corpo de seu irmão todo ensanguentado, pois um dos garotos, assustado, sacou o
revólver.
Pobre garota! Ficou em estado de choque. Seu irmão estava morto diante de
seus olhos. A dor foi tamanha, que a menina não resistiu; enlouqueceu e assim o
elo foi quebrado. Seus pais se separaram, pois um jogava à culpa no outro das
tragédias ocorridas no lar.
A pequena Karla, hoje, acha que escuta seu irmão. Seu pobre coração
prematuro não suportou os impulsos violentos da vida.
segunda-feira, 9 de julho de 2012
A morte do Chico Preto
Chico, tocador de violão
Com seu chapéu branco
Calças e sorrisos largos.
Olhos verdes esmeralda
– Que negro galante,
Suspirava as mulheres.
E ele, sabendo disso,
Exibia-se. Tocava
Seu charme nas notas
Da canção. Que voz!
Chico era de matar
E matava os seus inimigos
(tantos, tantos... cantava depois ele!)
Chico era homem de lei própria:
Mas vale a liberdade, do que aliança
Na mão. Era sempre não
para essas
Coisas de coração. Homem forte
Não se avexa com isso – cantarolava
Ele nos bares. Nas esquinas e nos bordeis!
Os pais das moças detestavam-no. .
Mas a docíssima voz do negro
Encantava até os jovens delicados.
Numa noite o Chico apaixonou-se.
Viu Maria passar, foi só isso para
Fazer perder o negro a cabeça...
O negro doido, sério quis ficar.
Mas a Maria impossível
Ser-lhe-ia. Seu pai, coronel
De muita influência, nutria
Ódio amarguíssimo pelo
Negro galanteador.
A mãe de Maria adoentada
Mal podia velar pela filha.
O Chico a par de tudo isso
Fez pinta de bom moço
Quis ajudar a mãe
da
Moça. Assim
conquistaria
Maria.
Quando o coronel
soube,
Veio-lhe uma ideia.
Armou uma tocaia,
Sem que Maria
percebesse.
O pai a fez buscar
remédios
E ela chamou o Chico.
Ele nem parecia mais
Aquele negro
esperto.
Num tiro veloz
O Chico perdeu a bela
voz.
Maria chorou, gritou, quis
Ajudar. O pai a levou para
Casa. Mas a morte vem
Para todos. Naquele
dia
Chico e a mãe de
Maria
Partiram.
(Foi assim que a cidadezinha ganhou um herói e uma santa!)
terça-feira, 3 de julho de 2012
MULHER APAIXONADA
“Ninguém sobrevive, incólume, à força de uma paixão”. Nádia Battella
Gotlib
Um livro grosso em suas mãos.
Enquanto as pessoas iam, se moviam no passo rápido e fatídico das horas, ela
lia Drummond. Seu coração batia forte. Seus olhos estavam mergulhados nas
palavras. Seu pensamento se difundia com os sonetos, os versos e outras
crônicas. Seus olhos fixos viam surgir à verdade que toda poeta tenta esconder,
diz e ninguém se dá o trabalho de entender. Lucrecia estava perdidamente
apaixonada, mergulhada no mundo e no submundo das palavras. Sua maquiagem clara
parecia nada com a cor nova que emanava em sua leitura. Um mundo novo: se
perguntava onde estivera que nunca percebera o que contava o poeta. Ela se
sentia cega, nua, crua. A coisa foi tão rápida que a avidez foi pouco em sua
transformação.
O mundo parecia que estava em construção. Oito
dias foram gastos, mais um no calendário, o dia do noticiário. O poeta ainda
fez o décimo: a poesia sempre faz nascer algo insólito em meio à solidão:
próprio ou impróprio estamos nós querendo decifrar sua opinião. Toda situação
requer rima e muita dor. O rancor faz parte de toda discussão e a inveja não
fica de lado. E são pecados? Pecado é não ler poesia. Achar que Deus fica com
um caderno anotando as mentiras de sua criação. Ora, Ele, não é compaixão,
amor? Se assim não for, seu filho é a mais bela piada de mau gosto. Drummond a
enchia de alegria. Lucrecia sentia a vontade de abraçá-lo, beijá-lo e ele
estava morto. Só suas palavras restaram. Ele não teve um terceiro dia. O quarto
é o romance, ele não escreveu.
As horas seguiam, a tristeza sentida
outrora desfazia-se nas metáforas: palavras, mistérios, casas, pessoas, um novo
sentimento nascia em seu peito. Lucrecia olhou sua roupa. Estava vestida de
noiva. Sentada num banco. Vários estranhos. Um temor pairou sobre si. O mundo
de antes não era mais o mesmo. O mundo de agora também era outro. Sua vida, sua
leitura, seu vestido: Lucrecia sentiu-se fustigada. Sua sobrancelha arqueada na
testa. Um dilema. Um Problema. Muito irritada: sem consolo. A poesia tomava
corpo em suas desilusões. Ela se perguntava o que fazia ali, naquele banco, parada.
Os estranhos agiam de forma mais esquisita. O mundo estava de ponta cabeça:
reviravolta. Sua vontade era de estar em algum poema. Seus olhos incrédulos
tentavam entender o porquê disso. Embaraçada – espantada: o vestido novíssimo –
por sinal caríssimo. De certo ela havia se cansado. Algum noivo deveria estar
esperando-a. Lucrecia ficou afobada. Onde estava? Lembrou-se do livro.
Fechou-o.
Um homem de branco chegou perto de
si. Pegou sua mão. Estudou seus trejeitos, sua mudança de comportamento. Ela
abriu seu livro. Segurou-o forte. O estranho não haveria de roubá-la. Se por
acaso casasse não seria feliz. Sua verdadeira paixão estava no livro.
Escondido. Ela temia. Se ele quisesse roubar seu segredo. Ela faria o possível
para guardar sua memória. Os estranhos riam. O homem olhava-a de forma
diferente. Dizia coisas aos outros. Anotava em sua caderneta. Será... – ela não
sabia o que pensar. Temia. Só Drummond poderia salvá-la. O novo mundo era
diferente para que Deus pudesse ouvi-la. Talvez nem se comovesse com suas
queixas. Nem ela sabia ao certo o que a atormentava. O amor escorria em suas
veias. Os outros riam. Permaneciam sobre a tensão da loucura. A dúvida de Lucrecia
aumentava. O livro em suas mãos. Seu vestido branco atraia os olhares.
E foi dos olhares que sua tragédia
começou. A pobre moça foi abandonada no altar. Sua dor foi tão grande que não
resistiu: a loucura arrebatou-lhe. Sua mãe desconsolada não queria acreditar.
Os pais do noivo visitavam-na todo dia, abalados com a irresponsabilidade de
seu filho. Lucrecia todo dia amava o livro. Somente nele estava a liberdade de
sua inglória. Ela ficou anos internada. Até que, em seu aniversário a surpresa,
seu quase noivo foi visitá-la. De relance ela o conheceu – lembrava-se daquele
homem elegante, de traços bem feitos, que um dia tomou seu coração: e a emoção
veio forte, tão forte que ela não suportou.
A paixão bateu aceleradamente, que a cura para sua mente foi à
liberdade. Lucrecia voou ao encontro da poesia.
(Joe Sales)
(Joe Sales)
domingo, 1 de julho de 2012
ÁGUA E FOGO
Estou me invadindo. Estou prestes
a conhecer a parte de mim que ainda não respirou, não caminhou na liberdade do
viver. Eu olhei e, avidamente, exclamei: cru! Minha segunda parte estava crua. O
que une minhas duas partes é o extremo eixo de um intervalo que me deu
existência. O meu lado inumano, o pólo que magnetiza minhas duas partes
tornando-me um. Porém, minha existência era resultado de três. Meu lado vida, o
que posso mostrar, o lado cru, o que ainda não sei, e o lado coisa, que me
permite sentir Deus em sua melhor forma, meu lado imperfeito.
Eu
era tão criatura, tão coisa, que barro divinizado era a verdade que me tinham
ensinado. A minha submissão era a maior prova de amor que podia oferecer para
Aquele que me criou. Sacrificar meu eu, meu lado cru, pois não condizia com a
beleza Dele; proibia-me, com pão e vinho, me conhecer. Não podia sentir a
matéria que loucamente gritava em mim, o que eu estava negando? A quem eu
estava enganando? Deveria eu seguir o exemplo de Jó?
Descia.
Mergulhava nas profundas águas que cobriam meu coração. O meu lado cru exigia
posse total de minha razão; me sentia perto do fogo, este queima a face de Deus
e impede que meus olhos O vejam – eu não via, então o desespero de minha vida
me arrebatava. Permitir-me não significava permissão a ponto de abrir a porta
para o outro. O fogo acendia minha fraqueza, talvez a minha maior fraqueza seja
minha melhor coragem. É quando falo sem parar e não entendo e, mesmo assim,
alguém ri achando graça da desgraça que reproduzo, uso, para esquecer o fogo
que me queima.
Talvez
o fogo que me queima seja minha vida no auge de sua transformação. A passagem
do ser abjeto, à existência viva que se espalha em meu corpo, dando-me palavras,
sentido, medo, amor, ódio, piedade e vontade. Então, com afinco, me questiono:
quem está vivendo? Eu ou a criatura crua que não corresponde à máscara que se
afivela em meu rosto? O fogo queima e o ar que respiro vai, lentamente,
apertando meu peito deixando a água entrar. Água e fogo tudo em mim a se misturar,
questionar o que de mim só Ele sabe. Sua parte em meu corpo não tem palavra. A
definição desta possa estar no meu contato com as coisas, quem sabe nelas eu
encontre a chave para revelar o enigma que construo em mim. A parte vida respira
concluindo os movimentos e suas formas. A parte crua exige que eu deixe a
máscara e permita-me ver que a luz não é saída, ela dependente do sangue que se
esconde por de trás da ingenuidade de meu sorriso. A terceira parte une as
duas. É a parte elementar, que O suporta em sua melhor forma. A forma bonita
que meus olhos não viram, mas sabem que é.
Estou tão
desesperado. Intrigado com tudo que sei. Peço ajuda para alguém, entretanto sei
que ninguém pode me escutar. Ninguém entenderia se eu dissesse: “não é vida o
que existe em mim. É sua mentira que me mantém preso a este chão e me faz
chorar, só, em meu quarto, esperando que alguém me abrace”.
Um abraço
seria mais que um consolo. Minha voz descansaria, interrompendo meu hábito de
gritar; meus braços suplantados se apoiariam neste alguém e, enfim, me sentiria
feliz, contente, por saber que fui ouvido. Mas o silêncio sempre chega antes. A
morte sempre chega antes. Eles não me deixam, e também não quero escapar. Acho
que devo pular do penhasco onde estou.
Eu vejo um
abismo, porém não tenho medo de pular. Tenho medo de falhar no que, realmente,
quero falar. Entender o que eu penso e escrever é difícil. Quero Deus naquilo
que amo, em sua melhor forma, quando eu não tiver nenhuma palavra para adorá-lo
por sua imensidão. Não me calo, sei que devo testemunhar como o cru da minha
vida permitiu-me ser depois de ter abandonado a participação. O vinho e o pão.
Eu e minhas metades, tudo a se renovar. Por isso existe agonia; você sofre,
chora e quer encontrar perdão para ser feliz – você encontra, falta algo,
sente-se vazio e o fogo começa a arder. Por isso busca encontrar-se e o cru da
vida é sua melhor beleza, aquilo que ninguém pode roubar – cada um tem o seu.
Então vê lá embaixo do abismo a solidão, o fogo que arde é real, o restante não
é. E de novo eu sinto: água e fogo.
Tão depressa
eu resolvo aceitar, receber os segredos que minhas mãos protegeriam. O amor
seria colocado em mim, minha aliança com o real. Alienado pelo mundo eu me
proibia de desafiar suas leis. Quem não cumpre leis não ama; com isso eu
prometia esquecer o ritual o qual me dediquei para cair no esquecimento,
mergulharia no profundo sem nenhum receio de me machucar. O espírito é livre,
sabe voar. Só o corpo que não; eu haveria de libertá-lo, desceria até o fim, mesmo
que este não houvesse ou mesmo que o fogo me queimasse antes do processo
acabar. Eu estava mudando ou tudo isso é loucura? Acho que estou me
reinventando, as coisas pareciam mais verdadeiras. A água lava-me e o fogo
ascendia a crueza minha. Estava pronto.
Eu estava
pronto. Não tinha o que falar. Eu era resultado de três. O desequilíbrio, a
vontade de gritar concretizava o processo. Eu estava entendendo o que os poetas
escrevem durante a madrugada. O lado cru era tão real, que eu não compreendia a
realidade vivida por mim. Apenas tinha água e fogo. O penhasco de cuja beira me
aproximava era grande, minha nova condição exigia uma nova verdade. Quantas
verdades eu houvera criado para existir – eu era o meu melhor personagem. O
silêncio que marca a passagem de toda evolução era minha voz. Minha voz não
precisava mais de palavras. Eu estava entendendo o que vem depois da morte.
Tinha tão somente o que me era dado. Uma conquista que, gradualmente,
penosamente eu ia alcançando, ganhando. Não por saber, mas por me render ao meu
lado mais imprestável, aquele que por muito tempo gostou da escuridão. Quem
sabe a escuridão seja o reconhecimento de que a palavra é falha? iva que se espalha em meu corpo, dando-me palavra
Eu estava
sendo um espelho sem luz. Então o que eu refletia se não tinha luz? escuridão, não! A escuridão é resultado da
luz e essa eu não tinha. Eu estava sendo o que os outros viam eu ser:
resultado, transformação, água e fogo. Ainda não entendia, não sabia o que
dizer nas horas que fico só, que me sobra o silêncio, e, enfim, entendo o que a
morte significa. Ela abriga a vida depois do sentido – o sentido é corrente que
liga as ações do mundo, eu sou o que sobra. O que sobra não faz falta – esta é
resultado de algo que foi ganho, e eu ainda não compreendi o que ganhei
vivendo. O sentido e o que sobra é partes elementares do que eu sou agora. Com
isso me pergunto: o que ganhei? No alto do penhasco eu sentia que o ardor do
fogo era minha própria solidão, cujo vazio estava sendo cheio por águas. O
sentido ou sua falta era agora a compreensão mais cruel que eu obtinha. O
verossímil da vida, seu real, era o meu cru emanando um não para o movimento e
suas formas. O que eu tinha ganhado? Eu podia desfrutar de algo?
E
se eu tivesse, desfrutaria o quê? Várias perguntas e a realidade inundavam o
que eu estava sendo. A água encobria tudo que eu tinha. O que eu não tinha:
sobra e queima? Ora minha vontade era pular e, deixar o impulso da queda ganhar
minha existência. Se houvesse fim eu morreria – morreria dentro de mim, mas se
este não existisse, eu viveria caindo; nesta queda quem sabe o melhor de mim
escapasse, sobrevivesse a esse processo de evolução.
O
que digo agora pode parecer perda total do sentido, mas nesse exato momento
sinto a melhor forma Dele a me possuir – é como se fôssemos um e o que sobra
não é eu, apenas o outro que tem em sua face a máscara. O lado vida e o lado
cru seriam destruídos no sem fim. O fim tem lógica, então é plausível de
vivência para ambas as partes. Só a falta de nexo pode me salvar. O que de mim
Ele quer, o que de mim os outros vêm. Sou, pra mim, o que sobra – a falta, a
água que escorre e o fogo que queima. Uma eternidade não é, absolutamente, nada
para o que sou agora, nesse instante, que Ele me tem. Entretanto ainda estou lá
em cima do penhasco, imóvel esperando por minha melhor coragem se manifestar;
aquela-que-esqueci-quando-por- sina-me-tornei-maduro. Estou perto do podre; o
poder e a pobreza são irmãos, são coisas que entendo e ignoro toda vez que
invento uma verdade. Enquanto isso sinto-O tocar minhas mãos. Vejo coisas que
sem óculos não seriam reais, porém não temo. Eu sei que o final da estrada é
vazio. Em mim existe o vazio, que Ele se sente vazio ao tocar-me. Ao dar-me seu
melhor.
A
mudez da vida equilibra meu pensamento. O penhasco é a construção do que ainda
não suportei aceitar de mim, é aquilo que em mim fica preso, o que não consigo
expressar nas palavras. Alguém pode me indagar: e se ele desmoronar? Eu
responderei: que serei o que de mim não afirmo; a parte feia que não se encaixa
em nenhum movimento. Serei inumano. A contradição de toda uma evolução. A forma
sem nenhum processo.
No
alto do penhasco, no alto de minha vida, lembrei-me de uma frase escrita em
Coríntios 13: “mas, quando vier o que é
perfeito, então o que é em parte será aniquilado”. Então tudo fez sentido:
a falta, o medo, as partes que me compõem. Tudo desmoronou. A compreensão era a
resposta de meu processo, afinal só se muda o necessário: a água e fogo eram-me
impróprios, não estavam condizentes com a verdade escolhida por mim. O perfeito
destruiria todas as mentiras, derrubaria a imensidão do meu penhasco – aquilo
que precisei sem saber por quê. E isso não é tudo: é apenas mais um processo de
uma nova parte que criei para mim: terra e ar – o que é perfeito?
(Joe Sales).