“Ninguém sobrevive, incólume, à força de uma paixão”. Nádia Battella
Gotlib
Um livro grosso em suas mãos.
Enquanto as pessoas iam, se moviam no passo rápido e fatídico das horas, ela
lia Drummond. Seu coração batia forte. Seus olhos estavam mergulhados nas
palavras. Seu pensamento se difundia com os sonetos, os versos e outras
crônicas. Seus olhos fixos viam surgir à verdade que toda poeta tenta esconder,
diz e ninguém se dá o trabalho de entender. Lucrecia estava perdidamente
apaixonada, mergulhada no mundo e no submundo das palavras. Sua maquiagem clara
parecia nada com a cor nova que emanava em sua leitura. Um mundo novo: se
perguntava onde estivera que nunca percebera o que contava o poeta. Ela se
sentia cega, nua, crua. A coisa foi tão rápida que a avidez foi pouco em sua
transformação.
O mundo parecia que estava em construção. Oito
dias foram gastos, mais um no calendário, o dia do noticiário. O poeta ainda
fez o décimo: a poesia sempre faz nascer algo insólito em meio à solidão:
próprio ou impróprio estamos nós querendo decifrar sua opinião. Toda situação
requer rima e muita dor. O rancor faz parte de toda discussão e a inveja não
fica de lado. E são pecados? Pecado é não ler poesia. Achar que Deus fica com
um caderno anotando as mentiras de sua criação. Ora, Ele, não é compaixão,
amor? Se assim não for, seu filho é a mais bela piada de mau gosto. Drummond a
enchia de alegria. Lucrecia sentia a vontade de abraçá-lo, beijá-lo e ele
estava morto. Só suas palavras restaram. Ele não teve um terceiro dia. O quarto
é o romance, ele não escreveu.
As horas seguiam, a tristeza sentida
outrora desfazia-se nas metáforas: palavras, mistérios, casas, pessoas, um novo
sentimento nascia em seu peito. Lucrecia olhou sua roupa. Estava vestida de
noiva. Sentada num banco. Vários estranhos. Um temor pairou sobre si. O mundo
de antes não era mais o mesmo. O mundo de agora também era outro. Sua vida, sua
leitura, seu vestido: Lucrecia sentiu-se fustigada. Sua sobrancelha arqueada na
testa. Um dilema. Um Problema. Muito irritada: sem consolo. A poesia tomava
corpo em suas desilusões. Ela se perguntava o que fazia ali, naquele banco, parada.
Os estranhos agiam de forma mais esquisita. O mundo estava de ponta cabeça:
reviravolta. Sua vontade era de estar em algum poema. Seus olhos incrédulos
tentavam entender o porquê disso. Embaraçada – espantada: o vestido novíssimo –
por sinal caríssimo. De certo ela havia se cansado. Algum noivo deveria estar
esperando-a. Lucrecia ficou afobada. Onde estava? Lembrou-se do livro.
Fechou-o.
Um homem de branco chegou perto de
si. Pegou sua mão. Estudou seus trejeitos, sua mudança de comportamento. Ela
abriu seu livro. Segurou-o forte. O estranho não haveria de roubá-la. Se por
acaso casasse não seria feliz. Sua verdadeira paixão estava no livro.
Escondido. Ela temia. Se ele quisesse roubar seu segredo. Ela faria o possível
para guardar sua memória. Os estranhos riam. O homem olhava-a de forma
diferente. Dizia coisas aos outros. Anotava em sua caderneta. Será... – ela não
sabia o que pensar. Temia. Só Drummond poderia salvá-la. O novo mundo era
diferente para que Deus pudesse ouvi-la. Talvez nem se comovesse com suas
queixas. Nem ela sabia ao certo o que a atormentava. O amor escorria em suas
veias. Os outros riam. Permaneciam sobre a tensão da loucura. A dúvida de Lucrecia
aumentava. O livro em suas mãos. Seu vestido branco atraia os olhares.
E foi dos olhares que sua tragédia
começou. A pobre moça foi abandonada no altar. Sua dor foi tão grande que não
resistiu: a loucura arrebatou-lhe. Sua mãe desconsolada não queria acreditar.
Os pais do noivo visitavam-na todo dia, abalados com a irresponsabilidade de
seu filho. Lucrecia todo dia amava o livro. Somente nele estava a liberdade de
sua inglória. Ela ficou anos internada. Até que, em seu aniversário a surpresa,
seu quase noivo foi visitá-la. De relance ela o conheceu – lembrava-se daquele
homem elegante, de traços bem feitos, que um dia tomou seu coração: e a emoção
veio forte, tão forte que ela não suportou.
A paixão bateu aceleradamente, que a cura para sua mente foi à
liberdade. Lucrecia voou ao encontro da poesia.
(Joe Sales)
(Joe Sales)
Nenhum comentário:
Postar um comentário