terça-feira, 3 de julho de 2012

MULHER APAIXONADA


Ninguém sobrevive, incólume, à força de uma paixão”. Nádia Battella Gotlib

            Um livro grosso em suas mãos. Enquanto as pessoas iam, se moviam no passo rápido e fatídico das horas, ela lia Drummond. Seu coração batia forte. Seus olhos estavam mergulhados nas palavras. Seu pensamento se difundia com os sonetos, os versos e outras crônicas. Seus olhos fixos viam surgir à verdade que toda poeta tenta esconder, diz e ninguém se dá o trabalho de entender. Lucrecia estava perdidamente apaixonada, mergulhada no mundo e no submundo das palavras. Sua maquiagem clara parecia nada com a cor nova que emanava em sua leitura. Um mundo novo: se perguntava onde estivera que nunca percebera o que contava o poeta. Ela se sentia cega, nua, crua. A coisa foi tão rápida que a avidez foi pouco em sua transformação.
            O mundo parecia que estava em construção. Oito dias foram gastos, mais um no calendário, o dia do noticiário. O poeta ainda fez o décimo: a poesia sempre faz nascer algo insólito em meio à solidão: próprio ou impróprio estamos nós querendo decifrar sua opinião. Toda situação requer rima e muita dor. O rancor faz parte de toda discussão e a inveja não fica de lado. E são pecados? Pecado é não ler poesia. Achar que Deus fica com um caderno anotando as mentiras de sua criação. Ora, Ele, não é compaixão, amor? Se assim não for, seu filho é a mais bela piada de mau gosto. Drummond a enchia de alegria. Lucrecia sentia a vontade de abraçá-lo, beijá-lo e ele estava morto. Só suas palavras restaram. Ele não teve um terceiro dia. O quarto é o romance, ele não escreveu.
            As horas seguiam, a tristeza sentida outrora desfazia-se nas metáforas: palavras, mistérios, casas, pessoas, um novo sentimento nascia em seu peito. Lucrecia olhou sua roupa. Estava vestida de noiva. Sentada num banco. Vários estranhos. Um temor pairou sobre si. O mundo de antes não era mais o mesmo. O mundo de agora também era outro. Sua vida, sua leitura, seu vestido: Lucrecia sentiu-se fustigada. Sua sobrancelha arqueada na testa. Um dilema. Um Problema. Muito irritada: sem consolo. A poesia tomava corpo em suas desilusões. Ela se perguntava o que fazia ali, naquele banco, parada. Os estranhos agiam de forma mais esquisita. O mundo estava de ponta cabeça: reviravolta. Sua vontade era de estar em algum poema. Seus olhos incrédulos tentavam entender o porquê disso. Embaraçada – espantada: o vestido novíssimo – por sinal caríssimo. De certo ela havia se cansado. Algum noivo deveria estar esperando-a. Lucrecia ficou afobada. Onde estava? Lembrou-se do livro. Fechou-o.
            Um homem de branco chegou perto de si. Pegou sua mão. Estudou seus trejeitos, sua mudança de comportamento. Ela abriu seu livro. Segurou-o forte. O estranho não haveria de roubá-la. Se por acaso casasse não seria feliz. Sua verdadeira paixão estava no livro. Escondido. Ela temia. Se ele quisesse roubar seu segredo. Ela faria o possível para guardar sua memória. Os estranhos riam. O homem olhava-a de forma diferente. Dizia coisas aos outros. Anotava em sua caderneta. Será... – ela não sabia o que pensar. Temia. Só Drummond poderia salvá-la. O novo mundo era diferente para que Deus pudesse ouvi-la. Talvez nem se comovesse com suas queixas. Nem ela sabia ao certo o que a atormentava. O amor escorria em suas veias. Os outros riam. Permaneciam sobre a tensão da loucura. A dúvida de Lucrecia aumentava. O livro em suas mãos. Seu vestido branco atraia os olhares.
            E foi dos olhares que sua tragédia começou. A pobre moça foi abandonada no altar. Sua dor foi tão grande que não resistiu: a loucura arrebatou-lhe. Sua mãe desconsolada não queria acreditar. Os pais do noivo visitavam-na todo dia, abalados com a irresponsabilidade de seu filho. Lucrecia todo dia amava o livro. Somente nele estava a liberdade de sua inglória. Ela ficou anos internada. Até que, em seu aniversário a surpresa, seu quase noivo foi visitá-la. De relance ela o conheceu – lembrava-se daquele homem elegante, de traços bem feitos, que um dia tomou seu coração: e a emoção veio forte, tão forte que ela não suportou.  A paixão bateu aceleradamente, que a cura para sua mente foi à liberdade. Lucrecia voou ao encontro da poesia.  

(Joe Sales)

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