sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Angústia

Meu Deus, como foi que eu cheguei aqui? Como foi que eu deixei me levar por um sentimento tão frágil e recente - e que mesmo assim roubou-me minha inteireza: e acabei na mediocridade! Ó, não sei se tento entender, ou deixo-me levar: e para onde irei? As minhas pernas continuam e se desequilibram nesse desespero de viver: viver é um desespero alegre. A gente tem a vida e quer esquecer a morte - e por isso traçamos, e ocupamos, a mente com planos e mais planos. Meu Deus, só agora eu percebi, não tenho planos. Acumulei-me de nada. E eu vivia bem. Eu sabia me identificar no meio do nada: um nada seco e alegre - eu era feliz - a felicidade alheia fez-me infeliz. E eu sabia. Eu sei que eu sabia me achar! E agora, com essa decepção, uma tristeza maior que meu sopro de vida me tomou: uma necessidade de buscar por forças, fez-me cair no tropeço de minha falta de coragem: e eu fui fraco ao esquecer-me da minha vontade - e eu quis falar, quis apenas desabafar com alguém e acabei prendendo-me nesse outro. Não sei como voltar: não sei por que desejo tanto voltar...

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

A revelação


Pois, hoje, surpreendi-me. Peguei Dona Doroteia e Rosa Maria ciscando juntas. Confesso, fiquei espantado, jurava que ainda estavam de mal uma com a outra. E, a minha suspeita, logo veio se realizar. O silêncio, num de repente, tornou-se ruído de palavras ofensivas – e a curiosidade me invadiu, quis saber o que acontecia entre as duas. De cara pensei no motivo, só podia ser o galo João: e era. Dona Doroteia, uma galinha nova e apaixonada, acreditara em amor eterno; já tinha certo tempo que estava de compromisso com o galo João, que por sinal era muito galanteador, safado, mas que dizia amor a ela. Só que todo amor sincero, e não sincero também, é cobiçado. A cobiçadora Rosa Maria, mais experiente, sabia da tendência do João, então foi fácil, foi uma conquista mais que desleal; isso por que era amiga de Doroteia. Rosa Maria pertencia à família, amiga da mãe de Teinha – como Rosa chamava-a. Quando Teinha descobriu a traição, desconsolada sentiu-se; mas a galinha, ingênua e influenciada por sua falta de maldade, perdoara Rosa. E é aqui que a cena recomeça. A desavença entre as galinhas ressurge, pois, Rosa conta a Teinha que está esperando pintinhos de João. Doroteia, grave, irritada, soltou vários impropérios, não aguentou; veio à tona sua fúria. Ela já pensava em perdoar o João. Pensava em reatar o noivado – e tudo isso, agora, nessa maldita revelação caiu por terra. Assim como ela. Rosa toda triunfante, sorria ao tripudiar de Teinha. E como se tivesse conquistado um prêmio foi procurar João.  

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Lamentação de Dona Doroteia

Dona Doroteia, minha galinha mais nova [e mais sincera], contou-me de suas súplicas atuais. Fiquei, assim, boquiaberto com a sem-vergonhice presente no mundo das galinhas, aliás presente no mundo todo. Contara-me, ela, que sua amiga Rosa Maria dera em cima de seu galo. Segundo Doroteia, foi briga feia. As duas caíram na bicada - enquanto o galo, seu João: o galante, fez-se de platéia. Minha nossa, pra que, Doroteia e Rosa Maria viram àquilo [que cena!] e foram dar um jeito no galo safado. E no fim de tudo as duas ficaram sem galo. E o galo ficou sem pena.